Ontem e hoje ou hoje e ontem

“Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debanda, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia.
Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora; ignorante, entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se. O País vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padres-nosso maquinais.”

Este poderia ser um texto escrito nos dias de hoje, com as devidas adaptações, mas não. É de 1871, publicado em” As Farpas – Crónica mensal da política das letras e dos costumes”, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão e tais são as semelhanças com a vida de hoje que parece não termos saído do Século XIX, o que não é verdade, tais foram as evoluções na sociedade portuguesa. Será que as coisas estão (e são) mesmo más ou é hábito bem português a lamentação e o escárnio constante?

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